
Um novo estudo, feito na Universidade de São Paulo (USP) e
na Faculdade de Ciências Médicas da Santa Casa de São Paulo, com apoio da
FAPESP, comprovou a hipótese.
Os pesquisadores constataram que a estimulação cognitiva e física
de camundongos transgênicos envelhecidos – em situação que simula o início
tardio do surgimento da doença de Alzheimer – protegeu o cérebro da deposição
de placas senis e causou uma melhora na memória espacial dos animais. Os
resultados do trabalho foram publicados na revista Frontiers in Aging
Neuroscience.
“Observamos que a estimulação foi suficiente para
interromper a formação de placas senis e promover uma ligeira melhoria na
memória espacial dos animais”, disse Tânia Araújo Viel, professora da Escola de
Artes, Ciências e Humanidades da USP e coordenadora do projeto, à Agência
FAPESP.
Ela conta que surgiram diversas evidências nos últimos anos
de que a doença de Alzheimer é mais pronunciada em pessoas que tiveram menos
estímulos cognitivos, sociais e físicos durante suas vidas. Esses estímulos
promoveriam mudanças morfológicas e funcionais no cérebro, que levariam à
amplificação de funções cognitivas.
A fim de avaliar essa hipótese, os pesquisadores analisaram
os efeitos da estimulação cognitiva e física na memória espacial e na formação
de placa senil em camundongos transgênicos em fase tardia de vida – com mais de
oito meses de idade – com elevada expressão de uma forma mutante da proteína
precursora do peptídeo beta-amiloide em humanos.
A produção excessiva desse peptídeo causa o aumento de
placas senis no cérebro, que é uma das principais características patológicas
da doença de Alzheimer. “Estima-se que o aumento da carga do peptídeo
beta-amiloide no cérebro precede o início da doença em, aproximadamente, 20
anos”, disse Viel.
Os pesquisadores colocaram camundongos transgênicos e outro
grupo de camundongos do tipo selvagem – que não superexpressavam a proteína
precursora do peptídeo beta-amiloide – em gaiolas com diferentes tipos de
estímulos físicos e cognitivos.
Esses ambientes eram compostos por escadas, rodas de
exercícios, bolas e objetos com diferentes tamanhos, cores e texturas, que eram
trocados a cada dois dias. Já outros dois grupos de camundongos transgênicos e
selvagens foram colocados em gaiolas sem receber nenhum desses estímulos.
Os animais foram mantidos nesses ambientes entre os oito e
os 12 meses de idade, quando começam a apresentar as placas senis
características da doença de Alzheimer. Após o período de quatro meses, eles
foram submetidos à avaliação de atividade motora, por meio de sensores, e de
memória espacial, por meio de um teste chamado labirinto de Barnes. Nesse teste
é avaliado o tempo que o animal leva para localizar a saída de uma arena com 30
furos igualmente espaçados em torno da borda – sendo que apenas um leva à caixa
de fuga – após um período de aprendizagem para descobri-la.
Os resultados dos testes mostram que os camundongos
transgênicos expostos ao ambiente enriquecido apresentaram uma redução de 24,5%
no tempo para entrar na caixa de escape uma semana após o período de
aprendizagem em comparação com os camundongos transgênicos que não receberam
estímulos. “Isso sugere que eles tiveram uma ligeira melhora na memória
espacial”, disse Viel.
Ao analisar amostras do tecido cerebral de animais de cada
grupo, os pesquisadores também constataram que camundongos transgênicos
expostos ao ambiente enriquecido apresentaram uma redução de 69,2% na densidade
total de placas senis em comparação com os que não receberam estímulos.
Além disso, apresentaram um pequeno aumento na densidade de
uma proteína do tipo sequestradora que se localiza em micróglias, que são
células imunes do sistema nervoso central. Essa proteína sequestradora ajuda na
degradação do peptídeo beta-amiloide.
A redução da concentração de placas senis no cérebro dos
animais foi maior na parte dorsal do hipocampo, que está relacionada à formação
da memória espacial, observaram os pesquisadores.
“A estimulação dos camundongos envelhecidos pelo ambiente
enriquecido durante quatro meses levou à formação de uma reserva cognitiva que
protegeu o cérebro dos animais da deposição de placas senis. E isso promoveu
melhoria na memória espacial”, disse Viel.
Cães e humanos
Na avaliação dos pesquisadores, o estudo corrobora que a
estimulação cognitiva, social e física pode ser complementar às atuais
abordagens farmacológicas no tratamento da doença de Alzheimer.
Esses estímulos podem alterar o metabolismo cerebral,
reduzir a neuroinflamação e a reatividade dos astrócitos – as células mais
abundantes do sistema nervoso central – e proteger o órgão do acúmulo de
peptídeos amiloides e da formação de placas senis. Apesar de não serem
imediatos, os benefícios dessas mudanças podem ser observados a longo prazo,
ressalvam os autores do estudo.
“O estudo comprova que mudanças positivas no estilo de vida
podem promover a neuroplasticidade do cérebro e contribuir para construção de
uma reserva cognitiva durante o envelhecimento, por exemplo”, disse Viel.
Viel faz atualmente um estágio de pesquisa no Buck Institute
for Research on Aging na Califórnia, nos Estados Unidos, com bolsa da FAPESP.
Durante o estágio, ela tem estudado a ação do lítio em
microdose em astrócitos humanos derivados de células-tronco pluripotentes
induzidas (iPSCs, do inglês induced pluripotent stem cells) – uma
tecnologia em ascensão, com potencial para promover a denominada “medicina
individualizada”, de modo a aprimorar os efeitos terapêuticos e reduzir efeitos
colaterais.
“A alteração do estilo de vida também inclui a utilização de
nutracêuticos [alimentos que, além de nutrir, podem ter outros efeitos
benéficos à saúde] para a construção da reserva cognitiva, que é um efeito
semelhante ao observado com o enriquecimento ambiental”, disse.
Os pesquisadores também têm conduzido estudos comparativos
com amostras de sangue de cães jovens e velhos para avaliar se há diferenças em
biomarcadores cerebrais, também detectados no sangue nesses animais.
O próximo experimento que pretendem fazer será para avaliar
se o ambiente enriquecido também altera os marcadores sanguíneos relacionados à
memória desses animais e de seres humanos. Com isso, pretendem verificar se as
diferenças nos biomarcadores cerebrais e sanguíneos que observaram em
camundongos também são encontradas em cães e humanos.
“Já temos algumas evidências de que sim, mas estamos
fazendo, agora, uma espécie de varredura de vários marcadores biológicos para
comprová-las” disse Viel.
A escolha do cão doméstico como modelo para esse tipo de
estudo se deve ao fato de que o animal tende a ter um estilo de vida muito
parecido com o do dono. Se o dono for fisicamente ativo, o animal também tende
a ser mais ativo, indicam estudos recentes.
“Queremos avaliar se há uma diferença de biomarcadores
cognitivos desses animais com outros que ficam mais presos em casas ou
apartamentos, por exemplo”, afirmou.
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