Fabiana Agra -

Mas hoje quero me ater aos muros; foi-se o de Berlim, ficou
o das Lamentações - que continua erguido a lembrar outras velhas e revividas
histórias. Sem contar que ainda temos vários muros a separarem povos mundo afora,
como o Muro da Cisjordânia, que separa Israel da Palestina; os muros de Celta e
Melilla, a separarem o território espanhol do marroquino; o muro EUA-México,
que simboliza a política anti-imigratória estadunidense; ainda temos o Muro de
Evros, que separa o território europeu dos vizinhos turcos; por fim, há o muro
que separa as duas Coréias, país que foi dividido desde 1945 e que desde 1950
estão guerreando entre si.
Não é difícil perceber que todos esses muros existentes
mundo afora foram erguidos para separarem povos que, devido a circunstâncias
territoriais, históricas, políticas, ideológicas, são antagônicos. São
trincheiras às avessas, que expõem o lado cruel do ser humano, incapaz que é de
coexistir pacificamente com seus pares. São atestados da incompetência humana
em conviver com o diferente, em aceitar o outro e suas singularidades, em
enxergar o semelhante nas suas várias similaridades e condições de existência.
Mas o que dizer do “Muro de Brasília”, que foi erguido a
mando das autoridades da capital do nosso país para separar os “coxinhas” dos
“mortadelas”, para separar quem é a favor e quem é contra o impeachment da
presidenta Dilma? Sinceramente, não há como não cair o queixo ao ver aquele
tapume de metal, aquele paredão erguido para dividir grupos que, ao ver dessas
autoridades, são tais e quais os hooligans dos estádios ingleses. Mas pera! É
de brasileiros que estamos falando, gente. É do meu vizinho que é a favor do
impeachment e vem na minha porta discutir o caso comigo que eu estou falando,
pessoal. É daquele meu amigo-coxinha-que-eu-adoro e que evito falar sobre
política com ele para não abalar a nossa amizade, de quem estou falando,
pessoas! Como agora querer dividir o Brasil com esse tapume de metal? E a
convivência dos opostos, como fica? E o debate de ideias? Oras, eu sou contra o
impeachment por entender que, nas atuais circunstâncias, trata-se de um golpe,
mas isso é a minha opinião, não é uma verdade absoluta – meu vizinho, meu
amigo, eles tem todo o direito de pensarem que o ato é constitucional. Então,
se não somos capazes de discutir ideias, como iremos conduzir o destino desse
continente complexo que se chama Brasil?
...Aí foi só falar em “Brasil” que me lembrei dos nossos
muros invisíveis, a separarem séculos afora, o povo brasileiro: lembrei das
favelas que vi lá na cidade maravilhosa, favelas atrepadas nos morros,
excluídas da cidadania vislumbrada através das avenidas asfaltadas; lembrei da
cor da pele, que separa, que exclui, que perpetua o
preconceito-nosso-de-cada-dia; lembrei dos vidros automáticos dos automóveis,
que nos separam do cara do semáforo. Lembrei de tanta coisa ao ver esse muro
erguido em Brasília...
Ao menos para uma coisa esse tapume de metal servirá; ele
foi erguido como um brinde à hipocrisia, àquela afirmação de que o brasileiro é
um povo diferente, ao mito da democracia racial freyriana, de um povo gentil
que mora num “país tropical, abençoado por Deus e bonito por natureza”. Essa
droga desse muro, ao invés de cobrir, veio desnudar a alma do povo brasileiro,
veio gritar pro resto do mundo que sim, o rei está nu e que não há vestes
capazes de cobrir a vergonha de viver para ver esta ignomínia em nossa terra. E
isso é bom. É pura catarse.
Uma vaia aos nossos vários Brasis agora expostos e um viva
para nós todos, povo brasileiro, pela nossa capacidade de, apesar das
dificuldades hercúleas, conseguirmos sobreviver a tantas intempéries – as reais
e as imaginárias – em meio a essa zorra generalizada e orquestrada pelas nossas
elites seculares. Quanto ao muro, bem, esse é o nosso muro da vergonha, teremos
que conviver com ele, é o nosso 7x1 enquanto nação.
* Fabiana Agra é advogada e jornalista