Cuité: Há mesmo uma Pedra no meio do Caminho na Construção da Barragem do Japi? - Jornal Diário do Curimataú
Cuité: Há mesmo uma Pedra no meio do Caminho na Construção da Barragem do Japi?

Cuité: Há mesmo uma Pedra no meio do Caminho na Construção da Barragem do Japi?

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Fabiana Agra -

Ontem, o amigo e pesquisador Jônatas Pereira enviou uma solicitação no sentido de que eu opinasse acerca da paralisação das obras da Barragem do Japi, localizada no Curimataú da Paraíba, após a “descoberta” de uma enorme pedra que contem inscrições rupestres. Apesar de não entender quase nada de arqueologia, tampouco de engenharia civil – mas na qualidade de pesquisadora da história da nossa região, aceito de bom grado o pedido.

Em primeiro lugar, vamos situar o objeto da polêmica: o sítio arqueológico “Boqueirão do Japi” situa-se a 27 quilômetros de Cuité, na divisa entre a Paraíba e o Rio Grande do Norte, na comunidade rural Retiro. Segundo dados do extinto Proca, “trata-se de um paredão na garganta do boqueirão, à margem esquerda do rio, contendo inscrições rupestres nas cores vermelha, ferrugem e preta. O registro rupestre trata-se de um único painel, medindo 5 m de altura por 2,8 de largura, sobre superfície de gnaisse, onde figuram círculos concêntricos, grades, círculos raiados, dígitos agrupados e representações fitomorfas. O estado de conservação é bom, entretanto, existem estudos que visam construir uma barragem no local para represar as águas do rio em benefício da comunidade assentada nas proximidades”. 
Inicialmente, o que mais chamou a minha atenção acerca da polêmica que já se formou através dos meios televisivos e das redes sociais, é a afirmação de que “a obra foi paralisada devido à descoberta das inscrições”. Oras, tem alguém enganado – ou querendo enganar alguém, senão vejamos.

 
Segundo relata o renomado arqueólogo paraibano Vanderley de Brito, em 1853 o naturalista francês Louis Jacques Brunet foi contratado pelo presidente da Província da Parahyba do Norte, Sá e Albuquerque, para pesquisar as potencialidades da região. Após inúmeros registros, dentre eles informações sobre os sedimentos triássicos do Rio do Peixe e de ter “descoberto” o menino Pedro Américo, por ocasião da publicação de suas memórias, em 1860, Brunet cita inscrições pintadas no Boqueirão do Japi, “entre as províncias do Rio Grande do Norte e Paraíba, mais ou menos a oito léguas da Serra de Coité (Cuité), onde reconheceu ampulhetas cinco vezes repetidas entre diversos corpos celestes. Também assinalou inscrições na Serra da Aldeia, perto de Cabaceiras, gravuras em Cubati e, sobretudo, em Pedra Lavrada, gravadas em lajedo mais ou menos horizontal às margens dum afluente do rio Seridó”. Portanto, pelo menos desde 1860, há o registro dessas inscrições rupestres – ou seja, há mais de 150 anos os meios acadêmicos sabem da sua existência.
Em época bem mais recente, o sítio arqueológico é lembrado em matéria do Jornal da Paraíba, datado de 10 de março de 2002, relatando a visita do engenheiro civil da ATECEL, Edson Pereira, que registrou, além das inscrições rupestres, pegadas gigantes no piso magmático do leito do rio. Na ocasião, também foram encontrados em um tanque natural de rochas, restos de fósseis de preguiça gigante que habitou a região durante aera pleistocênica. 
Mas eis que, não mais que de repente, estão querendo mudar a história: em matéria publicada no “Portal Correio” e replicada no jornal “Correio da Paraíba” do dia 14 de novembro de 2014, lê-se a seguinte manchete: "Inscrições rupestres existentes em uma das paredes de pedra do boqueirão do Rio Japí, na zona rural de Cuité, região do Curimataú, levaram o Governo do Estado a parar temporariamente a construção da barragem Retiro”. O corpo da matéria, por sua vez, assinala que “Inscrições rupestres existentes em uma das paredes de pedra do boqueirão do Rio Japí, na zona rural de Cuité, região do Curimataú, levaram o Governo do Estado a parar temporariamente a construção da barragem Retiro”.
Após o início da polêmica, o sertanista picuiense Edson Calado e o técnico agrícola Karkon Oliveira visitaram o local e fizeram um vasto registro fotográfico, que foi publicado nas redes sociais. Tão logo as imagens, o engenheiro Edson Pereira assim escreveu, através de perfil do Facebook:


"Sr. Edson Calado, parabéns pela iniciativa, que muitos cuiteenses não estão tendo, de clamar como nós, pela preservação do Sítio Arqueológico em apreço. Conheci o boqueirão ainda em criança quando o Prefeito de Cuité Pedro Simões Pimenta (1951 a 1955), idealizador do fechamento do boqueirão e construtor da primeira barragem no local, liderando numeroso grupo de cuiteenses progressistas, fomos em um ônibus de meu pai Jaime da Costa Pereira, em visita ao local. Na ocasião, vi pela primeira vez, as inscrições rupestres ou petróglifos milenares e o boqueirão pedindo para ser fechado. Posteriormente, o engenheiro Rivaldo Simões Pimenta, filho do grande idealizador da barragem e um dos consultores de Boqueirão de Cabaceiras, fez gestões junto ao DNOCS onde trabalhava, visando à elaboração do primeiro projeto de barragem de grande capacidade, aproveitando a bacia, o qual se perderia nos desacertos da contraditória política de recursos hídricos e degradação ambiental que destrói nosso país e insulta o nosso povo. Dando continuidade aos esforços de Dr. Rivaldo Simões na minha humilde condição de engenheiro civil e prof. da UFPB – Campus de Campina Grande, já após seu falecimento, iniciamos nos anos 80, gestões junto ao Secretário de Recursos Hídricos do Estado da Paraiba e dileto amigo, engenheiro José Silvino Sobrinho, pleiteando a realização de novos estudos para elaboração dos importantes projetos do Açude do Cais e do Boqueirão do Japi (anos 80). Este prontamente concordou em visitar os dois boqueirões e respectivas bacias, das quais o estado não tinha, até então, quaisquer registros técnicos. Com o apoio logístico do agropecuarista Geraldo Simões Pimenta realizou-se a visita com a presença, pela primeira vez de especialistas da UFPB. Seguir-se-iam as visitas de especialistas na área, por mais duas vezes e numa quarta ocasião, a realização dos estudos topográficos, realizados por engenheiros e agrimensores da ATECEL. O Secretário José Silvino concluiu que o Estado só tinha, à época, recursos para construir o Açude do Cais, declarou... Mas projetou e executou, como todos sabemos. Quanto ao Boqueirão do Japi, classificado como Barragem de Porte Federal, o Estado se disporia a elaborar estudos e projetos para então tentar conseguir recursos da União, para executá-lo... Ou conseguir que a própria União o fizesse. Passamos então, com apoio da ATECEL, a elaborar estudos específicos da Bacia do Japi, quando, utilizando imagens aerofotogramétricas do Projeto RADAN/ SUDENE, tiradas coincidente e exatamente 30 anos antes, lançamos o primeiro eixo moderno da sonhada Barragem, do tipo arco parabólico, com face de jusante escalonada, em concreto rolado, formando um anfiteatro do qual pudessem, turistas e observadores quaisquer, contemplar o Sítio Arqueológico preservado. Em outras palavras, como propositor da ideia e relator do primeiro estudo, tive a honra de justificar a solução, alegando que enquanto o arco parabólico se apoiaria nos maciços laterais do Boqueirão, o anfiteatro prestar-se-ia inclusive a fins didáticos multidisciplinares. A ideia foi acatada e o estudo incluído em outro mais amplo, de toda a Bacia Hidrológica do Curimataú, no qual se tirou a triste conclusão de que a bacia em apreço é a única e, portanto, a última reserva de água doce que ainda pode ser barrada na Microrregião. Daí, a grande importância, imprescindibilidade e urgência da obra. Na ocasião, em rápido encontro com o presidente do Instituto Histórico e Geográfico do Estado da Paraíba, informei-o da existência do Sitio Arqueológico em epígrafe e o mesmo demonstrou interesse em conhecê-lo e em proceder ao seu tombamento, o que até o presente não aconteceu. Continuemos em campanha, agora mais sistemática e articulada, pela preservação das Itacoatiaras e de todo o Sitio Arqueológico de jusante. Cordialmente, Edson da Costa Pereira."
Após o relato do engenheiro Edson Pereira, não paira mais dúvidas acerca do despropósito da polêmica que ora cerca a construção da Barragem de Japi. Em primeiro lugar, nada foi descoberto “agora” – há registros centenários do sítio arqueológico, datados de 1860; em segundo lugar, e nas palavras do próprio engenheiro Pereira, há projetos que possibilitam tecnicamente, a construção da represa e, ao mesmo tempo, a preservação do sítio arqueológico. Em terceiro e último lugar: está na hora dos encarregados da obra contarem outra história, pois sua versão atual não é muito de acordo com a realidade, inclusive há notícias, ainda não confirmadas, de que há um problema no projeto de execução da obra, motivo real da mesma encontrar-se paralisada.


Sim, eu sei bem da importância da obra: a barragem de Japi é parte do sistema adutor do Retiro e, quando finalizada, abastecerá de água cerca de 45 mil pessoas, além de beneficiar a pecuária e a agricultura. No entanto, não podemos deixar em segundo plano a história que cerca todo o Boqueirão de Japi. Segundo Vanderley Brito, presidente da Sociedade Paraibana de Arqueologia, a arte rupestre encontrada em diferentes lugares da Paraíba ainda é um mistério e permanece sem ser decifrada. “Todo o sítio arqueológico é da máxima importância porque carrega uma informação que pode servir de chave para o enigma. Sabemos que esses gráficos podem ter sido feitos por homens que viveram aqui há mais de 6 mil anos atrás, mas ainda não compreendemos o significado”. Deixar essa riqueza arqueológica submersa será mais um crime a se perpetuar em nossa região, como o foi aquele cometido contra a não menos famosa “Pedra de Retumba”, que hoje jaz submersa em um açude no município de Pedra Lavrada.


Portanto, a minha contribuição nessa polêmica resume-se num imperativo só: parem de polemizar e arrumem solução! Nada foi descoberto agora, já sabiam da existência do sítio arqueológico há tempos e existe a possibilidade técnica da construção da barragem e preservação do sítio arqueológico ao mesmo tempo. É chegada a hora de tratar a situação com a seriedade que ela merece, pois nós não estamos aqui neste torrão apenas como observadores, nós fazemos parte deste lugar, e exigimos respeito à nossa História.


Fabiana Agra 


Nossa colunista: 
Advogada, jornalista, escritora e apresentadora do Programa Falando Sério na Creative TV.