Opinião: Picuí: Aqui jaz a história, em cova rasa - Jornal Diário do Curimataú
Opinião: Picuí: Aqui jaz a história, em cova rasa

Opinião: Picuí: Aqui jaz a história, em cova rasa

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Fabiana Agra -


Não é de hoje que eu reclamo das incoerências e das injustiças que Picuí pratica com sua história. E quando digo “Picuí”, estou me referindo não ao seu povo, mas aos seus dirigentes e instituições, que além de não terem o zelo com a história do município, ainda tratam de desvirtuar o pouco que temos, senão vejamos.

Vamos começar pela data em que se comemora a emancipação de Picuí. Neste aspecto não cabem mais discussões, já que foi comprovado documentalmente que a o Município começou a existir no dia 09 de março de 1904 – data da posse da primeira junta governativa, enquanto a então vila do Picuhy ganhou status de cidade em 18 de março de 1924. Nesse aspecto, basta as autoridades escolherem uma das duas datas – eu, particularmente, sou da corrente que considera o dia 09 de março o marco emancipatório correto. E explico o porquê;
Toda essa confusão acontece porque, até o início do século XX, o sistema político brasileiro permitia que existisse o “município” sem que sua sede fosse considerada “cidade”; geralmente, os nascentes municípios brasileiros tinham como sede uma “vila”. Assim, a partir de 1904, Picuí já possuía Prefeito e Câmara de Vereadores, mas a sede do município não era cidade. Apenas no dia 18 de março de 1924 Picuí foi elevada à categoria de cidade. Assim, em termos de existência legal, de autonomia política, o Município de Picuí surgiu efetivamente em 09 de março de 1904, ocasião em que foi empossada a primeira junta governativa de picuiense.

Porém, o que observamos em Picuí? Há alguns anos, se festeja a data de sua emancipação política como se esta tivesse acontecido em 18 de março de 1904 – portanto, em 18 de março de 2014, Picuí completara 110 de emancipação. Pelo amor de Deus! – em 18 de março de 1904 não aconteceu absolutamente nada de significativo no município que merecesse registro. Para o ano de 2014, espero que a Câmara Municipal e a Prefeitura de Picuí, resolvam levarão em consideração a data em que o município adquiriu autonomia política (09 de março de 1904) ou a data em que a vila de Picuhy adquiriu status de cidade (18 de março de 1924) para comemorarem a festa. Do jeito que está é que não pode continuar.
Ah, mas se todos os nossos problemas com a história se resumissem “apenas” na data da emancipação de Picuí, eu já me daria por satisfeita. Mas aí eu passo pelo bairro JK (por que JK?) e olho para a placa escrita “Rua Dr. Carlos Macieira” – perai, deixa eu puxar pela memória, quem foi Carlos Macieira na história de Picuí, na história do Brasil? – Ah, lembrei: é o pai de Marli Sarney, esposa de José Sarney. Nos idos dos anos 1980, simplesmente pelo fato da mulher ter visitado Picuí, alguém teve a brilhante ideia de homenagea-la, colocando o nome da principal rua do nascente bairro da cidade, com o nome do seu pai. Vem cá: que culpa a rua tem, hein? Sem falar que, no quesito “nome de rua”, vez por outra chega um vereador que deveras por não conhecer os reais problemas da população, teima em tentar mudar o nome da rua 24 de novembro... Vereadores, por favor! 24 de novembro é a data em que a comarca saiu de Cuité para Picuí, querem mais história do que isso?!? Aí vem aquela vontade enorme de desvirtuar o vernáculo...

Espera, não pare de ler ainda, tem mais. Em todas as cidades que prezam pela sua história, os nomes das pessoas que fizeram a diferença do lugar são lembrados em logradouros, praças, bairros. Em Picuí nem sempre funciona dessa forma. Vejamos Padre Barros, “filho da terra”, padre que atuou na paróquia de Picuí por quase 30 anos. “ - Ah, mas tem uma rua com o nome dele”... Eu sei que tem – uma rua sem saída no Bairro Pedro Salustino, onde estão a Vara do Trabalho e o Fórum de Picuí. Mas Padre Barros merecia algo melhor, até porque em Cuité há uma estátua em sua homenagem... Mas em quesito de injustiça, ninguém ganha para Amando Cunha – único herói de guerra picuiense, o único a efetivamente lutar na 2ª Guerra Mundial e que, inclusive, foi ferido em batalha e por tal motivo, condecorado com as mais altas honrarias. Não, nada há em seu nome no município de Picuí; sequer uma “beira de rua”, sequer um beco. Aí nessa hora bate uma revolta danada, pois vejo quem não merece absolutamente nada, ter seu nome eternizado. Tem nada não, “seu Amando”, já resgatei toda a sua história e quem gosta de ler certamente irá conhecer a saga do nosso matuto na Itália.

É isso, Picuí. Desabafos de uma tarde modorrenta, no melhor estilo de Gabriel Garcia Marquez (eu não sei por que, mas “Cem anos de solidão” sempre me remete a Picuí), devaneios de alguém que nem aqui nasceu, mas que aprendeu a amar essa terra desde pequena e é esse amor incondicional por Picuí que me faz comprar a briga. Eu sei que a batalha é inglória, eu sei que as minhas armas são somente a palavra e a pesquisa, em uma terra onde quem governa inventa a história. Mas eu sou teimosa e, ao mandar prensar mil livros sobre Picuí, eu sei que, daqui a 50 anos, ao menos uns 10 irão sobreviver às intempéries do tempo que a tudo leva. Aguardem “Picuí do Seridó: Século XX”. Aguardem.


Fabiana Agra 

Nossa colunista: Advogada, jornalista, escritora e apresentadora do Programa Falando Sério na Creative TV.