Fabiana Agra -
O comportamento social foi modificado abruptamente após o boom das redes sociais. Hoje, principalmente
o Facebook e o Twitter, influenciam das relações amorosas e entre amigos às
escolhas profissionais; das formas de reivindicar direitos às exibições
artísticas e culturais. Influenciam, principalmente, na forma de se comunicar.
A cena mais comum atualmente – eu aqui me incluo – é essa: você está em um
restaurante “da moda” e pede o prato mais bambambam do cardápio; quando ele
chega, pega o smartphone, fotografa a comida e imediatamente compartilha em
redes sociais diversas esperando pelas "curtidas" dos amigos. É ou
não é dessa forma?
Se a mudança apenas no modo de se comportar frente a um prato
de comida fosse a mais significativa, até aí estaria tudo mais ou menos. Mas
não; o que estamos assistindo atualmente nas redes sociais é a escalada sem
igual da “cultura do ódio” gratuito e indiscriminado, a qualquer coisa ou
pessoa da qual se discorda. E a tragédia com Eduardo Campos trouxe consigo
manifestações que ultrapassam qualquer limite do aceitável, senão vejamos.
Um pastor chamado Daniel Vieira, de um tal “Congresso
dos Gideões Missionários da Última Hora”, ligado a Silas Malafaia, espalhou nas
redes sociais: “Morre Eduardo Campos, candidato a presidente. Hoje são 13,
numero do PT. Deveria ter levado a DILMA!”. Apagou em seguida, com um pedido de
desculpas ignóbil.
Já Daniela Schwery, eterna “candidata” a qualquer
cargo no PSDB em São Paulo (atualmente, a deputada estadual) conseguiu ir além;
troladora oficial do partido (uma espécie de “Tiririca fascista”, segundo o
blogueiro Kiko Nogueira), sua única bandeira e missão de vida é ser
antipetralha e “antiesquerdopata.” Schwery conseguiu forjar um meme de Dilma
Bolada (“Pra descer todo santos ajuda”) e então se pôs a despejar uma série de
acusações. “PT em festa”; “Celso Daniel eliminado; Toninho do PT
eliminado…” Nenhuma mensagem de condolência à família, nenhum sinal de respeito.
Quando não se esperava mais nada, Roger, do
Ultraje, conseguiu novamente se superar, horas depois de chamar Marcelo Rubens
Paiva de “bosta” e declarar que o pai do escritor, Rubens Paiva, morreu
“defendendo o comunismo”. Desta vez, Roger foi desrespeitoso e patético, ao se
referir à repercussão da morte de Eduardo Campos: “Pronto, vai virar santo. E
herói”. Esses últimos dias tem sido — e infelizmente, continuarão sendo — dias
ricos em estupidez, maldade e desumanidade, a desfilarem nas redes sociais, a
serem compartilhados por milhares de incautos.
Aqui um parêntese, mais do que oportuno: uma das
características mais marcantes da forma de se comunicar nas redes sociais é a
exaltação. "Boa parte dos usuários de redes sociais costuma deixar o
superego (consciência moral) de lado, especialmente quando emitem opiniões
e debatem, de forma raramente ponderada, assuntos ligados a futebol, religião, política
e 'BBB'. É por isso que se costuma dizer que, em sites como Twitter e Facebook,
todo embate de ideias vira um Fla-Flu de opiniões acaloradas", disse
Alexandre Inagaki, consultor em comunicação e marketing digital. A marca registrada nas redes sociais é a
vontade de compartilhar tudo o tempo todo. Inagaki atribui isso a dois
fatores: à carência e ao fato de as fronteiras entre o online e o offline
estarem cada vez mais dissipadas. "Nesse comportamento há uma certa
'bigbrotherização' de nossas vidas", diz. O jornalista explica que, ao
publicar um conteúdo, você espera que outras pessoas curtam, compartilhem,
comentem a sua postagem. "E quanto mais coisas você posta em redes
sociais, maior é a possibilidade de que você ganhe mais amigos e seguidores, aumentando
seu status online", conclui.
Outro comportamento comum nas redes é a
autopropaganda: as pessoas sempre parecem mais felizes, ricas, satisfeitas e
bem dispostas no mundo virtual, já que cada um de nós aprende logo a postar
apenas o que consideramos o melhor de nós. "Em vez de
"instagramarem" café da manhã com pão requentado, preferem exibir
para seus seguidores fotos da viagem que fizeram ao exterior ou do jantar no
restaurante da moda", afirma Alexandre. Para ele, esse comportamento mais
exacerbado ou exibicionista nada mais é do que uma "lente de aumento da
vida offline". "Todas as qualidades e defeitos da sociedade aparecem
de forma mais nítida nas redes sociais. Uma pessoa pode até tentar escamotear
seus defeitos, como alguém que se produz todo para um primeiro encontro ou uma
festa, mas, mais cedo ou mais tarde, eles aparecem".
Todavia, o preocupante, mesmo, é a forma como estão
sendo banalizadas e brutalizadas as dores mais íntimas de cada um, principalmente
dos famosos e celebridades, nas redes sociais. Zelda Williams, filha de Robin Williams, decidiu se afastar
das redes sociais, incomodada por brincadeiras de mau gosto na internet após a
morte do pai. "Eu deixarei esta conta por um tempo enquanto me recupero e
decido se devo ou não deletá-la", escreveu Zelda. A filha de Williams
expressou sua frustração pela forma como fotos de família que ela postou online
foram usadas e pela forma como brincadeiras de mau gosto na internet a
atacaram.
De tudo o que já foi dito, chega-se a uma rápida mas pontual conclusão:
a sociedade atual e, por conseguinte, os seus jovens e profissionais, passam
por uma forte crise moral: a banalização e a tolerância do mal. A indiferença,
a injustiça, a crueldade e o preconceito são expressos cotidianamente, em redes
sociais e na mídia em geral. Christophe Dejours, psiquiatra e psicanalista
francês, usa a expressão “banalização do mal” com o mesmo sentido que a
filósofa Hannah Arendt a empregou no passado enquanto um processo de tolerância
social para com o mal e a injustiça. O autor compara tal indiferença àquela
vivenciada no período do nazismo em que o mal foi “desdramatizado” e as pessoas
comuns, adotaram comportamentos inaceitáveis em outras épocas, tornando-se
colaboradores ativos ou permissivos, na execução do mal a outros. Este processo
de banalização se concretiza por meio da passividade, indiferença e resignação
à injustiça e ao sofrimento.
Mas, e hoje, os tempos são outros? Há que se
refletir acerca de nossas práticas e posicionamentos enquanto propagadores e/ou
meros curtidores desses absurdos nas redes, para que não venhamos a reproduzir,
seja sutil ou descaradamente, essa banalização do mal que ressurgiu com força e
parece que veio para ficar. Resta a cada um de nós refletirmos acerca do que queremos
para a nossa sociedade e para as gerações futuras neste planeta que não nos
pertence - mas que, a cada dia, se torna mais inóspito e cruel, e do qual nos
arvoramos senhoras e senhores absolutos. É hora de pensar melhor. Reflitamos.
Fabiana Agra
Nossa colunista:
Advogada, jornalista, escritora e apresentadora do Programa Falando Sério na Creative TV.